terça-feira, 11 de abril de 2017

Adão e Eva – Mensagem do Primeiro Casamento Bíblico


Deus cria todas as suas criaturas em pares – Macho e Fêmea – excepto o homem. Somente depois que Adão é criado em solidão é que Deus declara: “Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma ajudadora idónea [eizer k’negdo, em hebraico] para ele.” Génesis 2:18.

Deus traz os animais até Adão para que ele lhes dê nomes. E nesse processo, como já previsto, o homem não é capaz de encontrar uma companhia pessoal, dentro do reino animal.

Deus, então, faz com que caia sobre Adam אדם [Adão] um sono "pesado" e forma Chava חַוָּה [Eva], de uma porção do corpo de ha-adam, de sua costela, encerrando carne em seu lugar. Quando acorda, Adão proclama: “Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada mulher, porquanto do homem foi tomada. Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne.” Génesis 2:23-24.

O primeiro homem agora toma consciência de que finalmente encontrou a companhia que tanto procurava. Esta é a mensagem que a Torah nos traz sobre o primeiro casamento bíblico.

Porém há questões muito mais profundas nesta passagem, que parecem estar intimamente ligadas ao sentido das palavras escolhidas pelo seu autor. Há perguntas que podemos fazer, neste texto, que trazem significâncias belíssimas para o amor, a união sagrada e eterna entre dois seres.

Deus quer aqui ensinar-nos algo realmente profundo, o real significado do casamento bíblico, a volta ao estado original, quando Adão e Eva formavam um só corpo, uma só carne.


É interessante ver que um Deus Todo Poderoso não pode chegar a perceções atrasadas. Obviamente que Deus sabe desde o princípio que o homem precisava de companhia. Porque, então, Deus não criou Eva, ao mesmo tempo que Adão?

O termo em hebraico que Deus usa para descrever a primeira mulher, uma ajudadora idónea, [em hebraico eizer k’negdo], é também profundamente intrigante, e até mesmo Auto contraditório.

A palavra eizer significa ajuda, enquanto que k’negdo – que vem da raiz hebraica neged – significa em oposição.

Assim, porque Deus criaria uma “ajuda em oposição” a Adão? Qual a mensagem que estas palavras nos querem passar, no que diz respeito à parceria estabelecida entre o homem e a mulher? E finalmente, porque Deus põe os animais diante de Adão para serem nomeados, justamente neste contexto de percepção da solidão do homem?

Deus sabe que Adão não irá encontrar companhia no reino animal. O que Ele quer que aprendamos com isso, qual seria então o propósito deste exercício?

Há numerosas abordagens sobre o isolamento original do homem. Diversos autores já se debruçaram sobre essa matéria, mas um dos estudos dos que mais possuem autoridade sobre o assunto afirma, como diz o Talmud, que Deus originalmente criou o homem d’yo partzuf panim, “com duas faces”.

Isto é, Eva estava desde o princípio, dentro de Adão, a aguardar o momento de ser formada. Quando Deus cria Eva, Ele efectivamente separa dois seres, que originalmente eram apenas um. Isso nos leva a uma idéia profunda, extraída daquilo que parece ser uma simples história:

Adão e Eva eram, na sua forma original, apenas um. Quando eles se reúnem e se casam, eles retornam ao seu estado original, unificando-se novamente, voltando a ser “uma só carne”. Todo o casamento, toda a união entre homem e mulher, deste ponto de vista, é efectivamente um retorno ao significado original da vida.

Outra fascinante lição moral extraída pela Mishna (a parte mais antiga da tradição oral), aborda a solidão original do homem. O modo da criação de Adão pode ser entendido como um processo educacional sobre ele mesmo e sobre a sua forma de se relacionar com os outros.

E Adão pôs os nomes a todo o gado, e às aves dos céus, e a todo o animal do campo; mas para o homem não se achava ajudadora idónea.” Génesis 2:20.

Diferente das outras criaturas, o homem precisa aprender o valor da companhia e da verdadeira amizade. Isto porque a qualidade da companhia humana se diferencia de todos os tipos de relacionamentos estabelecidos no mundo ao redor de nós.

Os nossos relacionamentos têm possibilidades de um aprofundamento sem paralelos. Nós temos a habilidade de transcender o apego puramente físico e ir para além, estabelecendo verdadeiras ligações emocionais, que podem enriquecer e transformar as nossas vidas.

Há uma ressalva, porém, de que o estabelecimento dessas ligações é baseado no aprendizado, no sacrifício e no assumir de riscos.

Primeiramente, os relacionamentos humanos são baseados no compartilhar, e compartilhar não se torna em prática de uma forma fácil ou natural. Uma criança tem de ser ensinada a compartilhar, a abrir mão de um pouquinho do seu espaço e do seu “Eu”.

E o mais difícil é a vulnerabilidade inerente à proximidade do contacto humano. Quanto mais próximos nos tornamos uns dos outros, maior se torna o potencial para conflitos. Ninguém pode nos ferir tão profundamente como aqueles que são próximos de nós, e que nos conhecem bem.
Deus cria Adão sozinho, porque ele precisava entender que a solidão não era boa. Ele precisava sentir o vazio causado pelo seu isolamento. Somente com o sentimento desse vazio, é que Adão pode aprender a necessidade do compartilhar com o outro.

Adão tem de aprender que a escolha do relacionamento humano, com todas as suas consequências e conflitos e sacrifícios, é melhor do que uma vida de solidão e isolamento.

Deus, assim, traz os animais para que o homem lhes desse nomes. Nomeá-los requeria uma maior compreensão da natureza intrínseca dos seres. Adão vê que cada animal tem a sua companhia correspondente. Ele também percebe que o tipo de relacionamento que via no reino animal, não era adequado para preencher as suas necessidades.

Adão anda em busca de algo muito maior e muito mais profundo. Somente quando Adão chega a este nível de entendimento e percepção, é que Deus procede com a criação de Eva. A narrativa da criação de Adão e Eva firma-se como uma lição monumental concernente à proximidade das relações humanas.

Quando entendemos e estamos dispostos a aceitar o trabalho e o sacrifício necessário ao estabelecimento de um profundo relacionamento, quando criamos relacionamentos baseados na confiança mútua, aí que atingimos o tipo de companhia que é única para a espécie humana: A santidade do casamento.

É interessante também analisar a contradição implícita da frase Ajudadora Idónea – eizer k’negdo, ajuda em oposição.

Uma das abordagens para eizer k’negdo, sugere, se nós seguirmos a interpretação da pashut pshat (o significado simples e literal), que esta é uma, de muitas frases que na Torah parecem contraditórias, mas que quando propriamente entendidas, reflectem significantes pensamentos filosóficos e reais.

A frase, tomada como um todo, brilhantemente reflecte o delicado equilíbrio que é essencial a um casamento saudável. No casamento, cada parte deve permanecer em íntima comunhão, entretanto, não se pode perder a individualidade que é essencial a cada ser.

Marido e mulher tem que aprender a assistir e ajudar um ao outro de forma cooperativa, mas sem um se sobrepor ao outro. Uma “eizer k’negdo”, “ajuda em oposição”, é aquela que tem uma visão de uma perspectiva oposta, mas que vem para colaborar.

É sempre muito ajudador ter uma perspectiva diferente das coisas. E o casal tem de aprender a aproveitar esta percepção “oposta” que cada um pode ter do mesmo tema, para poder formar uma opinião comum, não unânime, mas que mostre que há mais de uma forma de se fazer a mesma coisa, que “há mais de um caminho para se chegar até determinado lugar”.

Essa visão dualista, de duas perspectivas diferentes que um casal pode ter, é uma arma poderosíssima, uma ajuda sem precedentes se for compreendida e aproveitada.

Deus fez a mulher não para concordar cegamente com o homem, mas para contribuir para o bem da relação, ao fornecer uma visão de uma perspectiva “oposta” das coisas, como fonte de mais de uma interpretação do mundo, uma visão de outro “ângulo”.

O Rabino Rashi, imediatamente notou que a observação da tradição oral, para estas duas palavras, pode encerrar também duas escolhas. As palavras eizer (ajuda) e k’negdo (oposição) podem ser mutuamente exclusivas.

Quando o homem e a mulher têm sucesso em construir um casamento, eles vivem num mundo de eizer, de ajuda mútua. Por outro lado, se eles falham, então viverão num mundo de k’negdo, de oposição.

Este mesmo sentimento está presente nos ensinamentos do Antigo Testamento, para as palavras ish, “homem” e isha, “mulher”. Na escrita em hebraico, estas duas palavras diferem uma da outra por apenas duas letras: um yod יe um hei ה, letras que usamos para escrever o nome de Deus.

Isto sugere que quando Deus está presente num casamento, o homem e a mulher também estão. Mas se retirarmos de ish e isha as letras do nome de Deus, fica a restar uma combinação (as letras aleph e shin) onde lemos a palavra aish אש (incêndio). Quando Deus não está presente numa relação, ela torna-se potencialmente explosiva.

Duas simples e aparentemente palavras contraditórias, faladas por Deus para descrever o primeiro casamento, aplicam-se para resumir o delicado equilíbrio que se encontra em casamentos saudáveis.


Enquanto que muitas pessoas buscam cada vez mais envolvimentos superficiais, o casamento fala de relacionamentos profundos, que só podem ocorrer quando Deus é este factor muito forte de equilíbrio entre o homem e a mulher.

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